modobulb

sobre o texto e a imagem, um exemplo.

Posted in fotógrafos, uncategorized by modobulb on May 18, 2010

Certas discussões parecem nunca evoluir. Recentemente, em sala de aula, entramos numa discussão sobre palavras, legendas e imagens, na qual pôde-se até ouvir a célebre frase: “ uma imagem vale mais do que mil palavras”.

Vemos diariamente, em jornais, revistas e na televisão,  imagens e textos sendo usados como formas distintas de apresentar o mesmo conteúdo, ou, imagens sendo usadas apenas para entreter o leitor.

A fotografia vem estabelecendo parcerias com o texto desde seu surgimento, especialmente quando a primeira se ocupa de documentar, informar ou apresentar o exótico e o desconhecido.  A parceria se estabeleceu de tal forma que nos dias de hoje alguns “gêneros” da fotografia são indissociáveis do texto ou legenda, que lutam bravamente para manter referenciado o seu contexto.

Atualmente, muitos fotógrafos e artistas vêm buscando novas formas para tratar temas sociais e políticos utilizando fotografia e texto, aceitando suas limitações e investigando suas possibilidades.

Os trabalhos de Raphaël Dallaporta, Domestic SlaveryAntipersonnel são dois belos exemplos nos quais as duas ferramentas se unem com primor e elegância.

Em Domestic Slavery, Dallaporta nos apresenta histórias chocantes, sobre uma moderna forma de escravidão, na qual imigrantes (na sua maioria mulheres africanas e indianas) chegam a Paris e seus arredores, em busca de trabalho como empregadas domésticas. Após a “contratação” têm seus passaportes confiscados, seu dia a dia transformado, sendo obrigadas a realizar todo tipo de trabalho na casa, com jornadas exaustivas (das 6 da manhã à meia noite, sete dias na semana), sem receber salário, comendo o resto da comida dos “patrões”, dormindo no chão da cozinha ou do banheiro, sendo humilhadas, às vezes até sofrendo agressões físicas.

Raphaël Dallaporta, Domestic Slavery #06

As imagens isoladas dos textos não denunciariam nada. São fotografias de prédios e casas de classe média e média-alta de Paris, sem nenhuma extravagância técnica, numa distância próxima, mas ao mesmo tempo distante, como se estivéssemos passando na rua ou, até, folheando um catálogo de lançamentos imobiliários, os prédios são aparentemente lugares comuns, sem grandes mistérios.

Entretanto, o texto que acompanha cada imagem revela que, ali naquele espaço, aconteceu um caso de escravidão moderna e acrescenta informações sobre o escravizado (seu nome e idade) e sobre o escravocrata (sua profissão, sua reputação, sua pena concedida pela lei).

Raphaël Dallaporta, Domestic Slavery #05.

Em dado momento da discussão em sala, disseram: “pra quê as imagens, se só o texto já seria suficiente para contar a história?”

Raphaël não quer apenas nos contar a história,  quer nos fazer olhar para ela, quer nos questionar como observadores e cidadãos. Essas histórias já tiveram seu desfecho, o esquema já foi descoberto. O fotógrafo nos coloca em desconforto, de certa forma, nos aproxima dessa atrocidade. Os prédios lembram o prédio onde moramos, e assim quem sabe aquele que escraviza possa ser mais um vizinho. Além disso, o trabalho sutilmente apresenta a estrutura social, aparentemente perfeita, que acoberta e permite que pessoas passem meses ou, até, anos sujeitas a esse tipo de exploração.

Em Antipersonnel, mais uma vez, imagem e texto trabalham juntos. Dallaporta encara mais um tema delicado, a guerra e a indústria por trás dela. Faz isso fotografando minas terrestres, instrumentos “silenciosos” que mesmo anos depois do desfecho de conflitos, permanecem adormecidos sob a terra esperando serem acionados pelo peso de um corpo.  Antipersonnel é um catálogo de minas terrestres. Fotografadas em estúdio, iluminadas com a precisão típica da publicidade, cada uma dessas minas se transforma em um objeto de desejo, em um produto de mercado. Ao lado o texto apresenta nome, modelo e características do produto, suas “qualidades” , o nível do trauma produzido por sua explosão e os países (guerras) onde foi usado.  Mais uma vez, Raphaël nos reposiciona como observadores, seu catálogo de minas terrestres nos faz pensar: “esses são mesmo produtos?”  Sua produção envolve, pesquisa, design, testes, marketing e comercialização. De forma simples e com conhecimento profundo dos códigos da comunicação e da posição que a fotografia ocupa dentro deste universo o fotógrafo nos faz refletir sobre a industria por trás das guerras e nosso papel dentro da estrutura social que fomenta esses conflitos.

Raphaël Dallaporta, M18-A1.

Raphaël Dallaporta, PMR-2A.

É sempre bom poder ver novas abordagens, sobre temas já tão trabalhados através da fotografia. O interessante é que a soma dessas abordagens permite, quem sabe,  uma leitura mais ampla dessas problemáticas.