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Bavcar e o sentir a fotografia

Posted in fotógrafos, uncategorized by modobulb on August 24, 2010

Hoje acontecerá uma palestra, que tenho certeza, que será muito bacana com o fotografo Evgen Bavcar. Para quem não conhece Bavcar é um fotografo esloveno, que fotografa apesar de ser deficiente visual. Sua cegueira foi causada por dois acidentes. O primeiro quando tinha apenas 11 anos. O livro Memória do Brasil diz que o fotografo tirou sua primeira fotografia aos 16 anos.

Evgen Bavcar - Hanna Schygulla

Seu trabalho concentra várias questões da fotografia como visibilidade e invisibilidade, cegueira e visão, percepção e sensação. Operando com procedimentos diferentes dos tradicionais, com o auxílio de assistentes Bavcar construiu um trabalho singular. O livro Memória do Brasil, editado pela Cosac & Naify é um belo exemplo do seu trabalho como criador de imagens.

“Bavcar vê com sua audição, com seu tato, com todos os sentidos, enfim, com todo o seu corpo. Seus passeios são guiados pelas interpelações que dirige, a todo momento, a seu acompanhante: ‘O que você está vendo?’. E enquanto há relato, inaugura-se a narração, valoriza-se a experiência do ato de ver, instaura-se a imagem. Enquanto escuta o fotografo-filósofo vê. Passagem da palavra à imagem.” (TESSLER, Elida. Evgen Bavcar em Diagonal, in Memória do Brasil, p.11)

Assim, usando plenamente os sentidos do corpo, Bavcar trabalha as questões, tão faladas hoje na fotografia, da relação imagem e memória. Aliadas a uma aura de mistério, evocando uma sensação onírica, fazendo-nos viajar pelas imagens, fechar os olhos e, sobretudo, imaginar.

Algumas delas me fizeram pensar, muito sobre expressionismo e surrealismo. Vieram algumas imagens de filmes como Eraserhead (1976), de David Lynch; Metropolis (1926), de Fritz Lang; Um cão andaluz (1928), parceria de Luis Buñuel com Salvador Dalí.

Relendo uma antiga monografia que escrevi para a disciplina de história da arte, quando estudava na Unicap (PE) dois parágrafos me chamaram atenção por sua proximidade com a leitura que faço de algumas imagens de Bavcar. Um pena não conhecê-lo na época da referida monografia, certamente teria me dedicado a fotografia dele.

Sobre o expressionismo:

“Dessa forma podemos verificar várias características da arte expressionista no cinema como a abstração excessiva, representações do caos, tumulto da vida, decomposição da aparência natural das coisas, a questão do belo e do feio, deformação ou distorção do objeto por fatores subjetivos e não ópticos. Além disso, a beleza é vista como algo monstruoso, sobrenatural, ao contrário do belo clássico”. (Lua Cruz citando indiretamente Giulio Carlo Argan, no livro Arte Moderna,1992)

Sobre o surrealismo:

“Com enredo desconexo, baseado na fuga do mundo real, com uma técnica alucinatória baseada no movimento e na montagem. O filme é uma seqüência de cenas como que retiradas de um sonho. Em certo momento um homem que afia uma navalha olhando a lua, corta o olho de uma jovem em fatias.” (Lua Cruz citando indiretamente Fiona Bradley, do livro Surrealismo,2004, sobre o filme Um cão andaluz de Buñel e Dalí).

Evgen Bavcar - The hand on the Stone, Pompeil

A partir da reflexão instigada pelo prof. Etienne Samain e a profa. Fabiana Bruno de que sons carregam imagens, e então memórias, acho interessante citar um trecho do texto ‘O Brasil no despertar do mundo’ escrito por Bavcar, que soa para mim como uma imagem, repleta de aromas, sons, memórias. Reforçando a ideia de que as imagens são complexas e indissociáveis dos 5 sentidos do corpo. Elas comunicam, nos fazendo pensar.


Evgen Bavcar - Veronique and the duck

“ Lembro ter ouvido pela primeira vez este nome mágico, Brasil, associado ao café que minha mãe esmagava num moedor ainda manual. Havia pouco café naquela época e seu cheiro pertencia às coisas de minha infância relacionadas a experiências únicas, cheias de riqueza e de atenção. Para nós, o café era quase uma espécie de néctar dos pobres, uma ambrosia destinada aos que de vez em quando queriam transformar o cotidiano num dia de festa, pondo à mesa essa mercadoria tão rara em minhas lembranças eslovenas. Por essa razão, beber café era como tomar um medicamento capaz de curar as doenças mais tenazes. Eu tinha certeza, a certeza de uma criança, de que meu pai teria vivido mais tempo se tivesse tomado mais café, ou de que não teria morrido de câncer.” (BAVCAR, Evgen. O Brasil no despertar do mundo. in Memória do Brasil, p.77)

Suas imagens tem cheiros, sons, textura, a distancia parece menor, pois é parece memória adquirida.

Sobre seu sentimento sobre a fotografia, Bavcar diz:

“I feel very close to those who don’t consider photography as a ‘slice’ of reality, but rather as a conceptual structure, a synthetic form of pictorial language, even a suprematist image like Malevich’s black square. The direction I have taken is closer to a photographer like Man Ray, than to forms like reportage, which is like shooting an arrow towards a fixed moment.” (http://www.zonezero.com/exposiciones/fotografos/bavcar/#)

Nesse vídeo ele fala brevemente sobre o ponto zero da fotografia, sobre a duração indefinida de seu trabalho e sobre não ter influências de outros fotógrafos, devido a sua cegueira.

Amanhã dia 25 de agosto, quarta-feira acontecerá a exibição do filme “Ensaio sobre a cegueira”, de Fernando Meireles, com audiodescrição. E depois palestra com os amigos e profs. Fernando Fogliano e Ronaldo Entler. Seguido de abertura da exposição Estética do (in)visível), sob curadoria do prof. João Kúlcsar.

Mais informações aqui!

Evgen Bavcar nasceu em 1946, em uma pequena cidade chamada Lokavec, na Eslovênia. Estudou História e Filosofia na University of Ljubljana e mais tarde doutorou-se em Filosofia Estética pela Sorbonne. Dedicou-se a carreira acadêmica enquanto em morava em Paris, mesmo período no qual intensificou sua atividade fotográfica. Naturalizado francês em 1981, seguiu em suas pesquisas fotográficas, tendo em 1987 sua primeira exposição no Sunset Jazz Club, em Paris. Em 1988 foi nomeado Official Photographer of the City of Light’s Photography Month.

Sua trajetória na fotografia é longa, tendo realizado mais de 80 exposições, em diversos países. Seu trabalho e vida foram tema de filmes, incluindo Janela da Alma, dos cineastas João Jardim e Walter Carvalho.

Para conhecer mais o seu trabalho:

Livros:

  • Jahre des Lichts/Annes de lumière. Berlim: Metro, 1991
  • Le Voyeur absolut. Paris:Seuil, 1992.
  • Les Tentes Démontées, ou Le monde inconnu des perceptions. Paris: Item, 1994
  • Nostalgia della luce. Milão: Motta, 1995
  • L’inaccesible étoile, ou un Voyage dans Le temps. Berna: Benteli, 1996.
  • Engel unter dem Berg/ A La rencontre de l’ange. Berlim: Pixix bei Janus Press, 1996.
  • Memória do Brasil. Tessler, Elida; Bandeira, João (orgs.). São Paulo: Cosac & Naify, 2003.

Textos em português:

  • “A luz e o cego”, in Adauto Novaes (org.). Artepensamento. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
  • “A luz e o cego”, in Evgen Bavcar et alii. O ponto zero da fotografia. Rio de Janeiro, Very Special Arts/Funarte, 2000
  • “Nápoles, cidade-sol”, in Abrão Slavutzky, Edson Sousa, Elida Tessler (orgs.).A invenção da vida – arte e psicanálise. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2001
  • “Além de uma noite”, in catálogo da exposição “A noite, minha cúmplice”. Porto Alegre: MARGS/UFRGS, 2001
  • “O corpo, espelho partido da história”, in Adauto Novaes (org.) . O homem máquina. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

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